quinta-feira, 14 de julho de 2016

A farra de amor mais que (não) recomendada de Caio Prado, Daniel Chaudon e Diego Moares em "Não recomendados"

Não tenha compaixão, porque eles não têm. Não adianta olhá-los nos olhos, porque eles não enxergam. São cegos, cinzentos, fechados, tolos. Ignorantes. Eles, os machos brancos lesbohomobitransfóbicos desta sociedade masculinista, eurofílica, branca e heteronormativa. Fascistas. Eles é que não são recomendados. "Tudo é arte. Tudo é política. Tudo é nosso". Resistência. Somos a resistência, o trânsito da encruza e a dança dos corpos fechados à docilização, néctar do capital. Refletimos o nosso tempo. Caio Prado, Daniel Chaudon e Diego Moares refletem o tempo da renhida - e necessária - resistência à fascistização golpista agora vigente no super espetáculo "Não recomendados", que ontem tomou o palco do Theatro NET Rio. Sob direção musical e artística de Edu Capello, o trio já de cara inicia sua reunião subversiva nada recomendada entoando os versos tragados de dor e silêncio atordoante de "Cálice" (Chico Buarque e Gilberto Gil), logo indicando que entre as palavras de cada canção ali defendida - com seus arranjos originais modificados em roupagem tão digna quanto à dos antecessores -, há um grito de lamento desumano pedindo por humanidade e embriaguez pela vida.

A composição homônima de Caio e título do show, "Não recomendado", dá seguimento ao repertório desfilado e pontua os principais momentos de transição - a troca das personagens alter-ego de Prado, Chaudon e Moraes, as participações especiais de Johnny Hooker, que contribui com "Alma sebosa" (Johnny Hooker e Luiz Carlos Vasconcelos) e "Você ainda pensa?" (Johnny Hooker), e Eduardo Sterblitch, o toque de humor da coisa toda - da performance-espetáculo-quase peça. O amor proibido, mas doce, malandrinho e nem aí para nada ou ninguém de "Rubens" (Mário Manga) interpretado por Daniel faz reviver a dificuldade e a importância de assumir a verdade de nossos sentimentos/real identidade ante um mundo hostil e medroso. Diego segue com seu blues "Punk da periferia" (Diego Moraes) e da Freguesia do Ó, com makeup pó caliça e cabelo índio black tipo moicano, apraz todas/os com interpretações únicas, esgotadas de dor e vida. Caio recupera "Cálice" e molha com vinho tinto o carinho sem abrigo de Chaudon trovado em "Descobrimos nós dois" (Daniel Chaudon), este apenas ansioso de um canto para ser e voar. Caio vem com seu "Lamento" (Caio Prado) lembrar que nem todos os versos são só teus e, não, não vai chorar por muito tempo, porque não há tempo de cair no sofrimento. Enquanto tombamos, eles triunfam. Livra-se da degola de ser do outro para ser seu, meu, de si, per se, louco. Aliás, louco não é quem me diz. Eu sou louco, porque é melhor não ser o normal, como cantam em "Balada dos loucos" (Rita Lee e Arnaldo Baptista). Nada de se curar. Loucura é sanidade neste mundo de felicidade vã, líquida e normalopata. Normalidade é adaptação alienante às opressões, e louco eu sou feliz. Eles não são felizes. É claro que tudo isto dá medo, criar personagens de si mesmo e resistir ante a barbárie, mas há certo gozo nisso. Aliás, todo gozo. É orgásmico, porque a libertação é plena. Ou quase. A coisa é olhar pro céu, andar de ônibus e torrar a grana em uma farrinha barata como indica Diego em "Muderno" (Diego Moraes) para uma catarse. E a catarse em meio a tanto esforço e luta vem com a sátira trazida pelos três com Eduardo Sterblitch dos clássicos "Depois do prazer" (Chico Roque e Sérgio Caetano) e "Essa tal liberdade" (Chico Roque e Paulo Sérgio Valle), do grupo "Só pra contrariar". 

Tudo e tanto é para lembrar que, como entoou Daniel em "Tempo de esperas" (Fernanda Dias e Daniel Chaudon), somos nós as aspirações do mundo, e a busca maior é por um lugar onde caibamos inteiros, mesmo contendo a dor em ser. Can't you see?, disseram novamente os três com "Love of my life" (Freddie Mercury) em lindo número a capella. Por outro lado, eu também vejo que você só ri dos fascistas avançando com fúria sobre os movimentos sociais de mulheres, negros, indígenas e trans para manterem seus podres privilégios históricos de matarem, explorarem, humilharem e oprimirem. Transformam-nos em opressores, legislam sobre a idade penal e corpo das minhas irmãs para normatizá-los, docilizá-los e currarem-nos sem perdão com a sua pica grossa de porra nenhuma em novo golpe. Outro golpe. E você ri, dizendo que política serve para nada. O passado é passado, e não volta mais. Os mortos não estão na imprensa, caro. Estão é nas favelas; são os moleques pretos que você mata com sua polícia racimachista de merda. São as putas negras e/ou trans negras que você paga para violar e diz se importar quando coloca um PL de proteger cafetão fajuto para regulamentar. São as mulheres que você hierarquiza, machuca, humilha e valora conforme cor, sexualidade, magreza, dinheiro e moralidade. E você ri, quando lhe dizem para trabalhar 80 horas semanais e não pensarem em crise. "Golpistas"! (Caio Prado), gritou Caio. Vocês estão expostos, e sua piscina está cheia de ratos, conforme Prado, Chaudon e Moraes disseram ao encerrarem com "O tempo não para" (Cazuza e Arnaldo Brandão), recomendando a resistência sem mais placas de censura ou tarjas de conforto. Diga não à aberração que se nos querem impor. Diga não ao desamor e ao ódio. Diga sim à equidade, justiça e respeito. Temos voz, e não iremos nos calar. Não mais. Nunca mais. 


Foto: reprodução


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