segunda-feira, 18 de dezembro de 2017

Julia Bosco, aforismos, desaforos e o sim que encosta no papel

"A menor distância entre duas pessoas é uma garrafa de vinho". A menor distância entre duas pessoas é, pelo contrário, um livro escrito. A (outra) menor distância entre duas pessoas é ainda aquela percorrida por um livro vivido. De ato matinal nada falho e seguro como só um batom laranja é capaz de tornar a make do dia um arraso são os "Aforismos e desaforos sobre sexo, amor e ressaca" (Edite, 2017), incursão literária de estreia da cantora e compositora carioca Julia Bosco que, tão íntima quanto a premiadíssima (e acertadamente catártica) literatura de banheiro - a melhor de todas, portanto -, traz em versos axiomáticos os desaforos, percalços, alegrias e inevitáveis ressacas de uma mulher repleta de vida vivendo o outro tanto de vida a sempre lhe inundar. Ou embebedar. Dividido entre os aforismos desaforados de versos bem-humorados, sinceros e reflexivos derramados durante um porre qualquer, e a prosa de pequenos contos e crônicas inevitavelmente redigidos com as cores e dor de cabeça daquela ressaca, o livro não peca pela fé cristã abalada, porque é a prova de que mulher sempre fez Literatura. Literatura que não se suja de mundo, do viver mulher/homem, da diversidade de experiências, suas dores, risos e pequenas vitórias - como mulheres sempre fizeram - é apenas letra morta, existência sem vida ou propósito. E aí, sim, a culpa em produzir nada do nada devia estar tinindo!

A primeira parte é toda dedicada a pílulas de sabedoria sem retitude e com arrependimento de coisas e gente feitas, embebidas do porre de caipirinha de lichia e comidas do bolinho comprado para o pai, mas desfeito no meio do caminho. O bom humor e a solidão não repetida de todos os dias ditam a mistura divertidíssima das amnésias alcoólicas com a fina arte de puxar a roupa do varal sem tirar o pregador da cordinha feat. a paz do coração com um pote cheinho de caipirinha de tangerina com gengibre. A bateria do celular dura quantas horas mais os momentos de leitura desta tinta aforismática são a recarga necessária de um batom vermelho em rosto de mulher. E de alguns homens também, porque, sim, todo mundo é mito. Outra arte.

A segunda, por outro lado, tão profunda quanta a primeira, traz a vida e suas relações como contos e crônicas em chave de reflexão de si para outra vida. Enquanto "O imorrível" traz a inabalabilidade de um sentimento como o amor ante os (d)efeitos do tempo, processos irreversíveis de realidades, pragmatismos, conveniências e mágoas construídas pelo caminho a dois. "Memória" lembra a morte - de um amor, amizade ou outra categoria de relações humanas - pela vaidade e excesso de falsas aparências, quando não de irrealidade. "Blue glasses" pede o mergulho no que se é e vive, e o respeito a este (seu) papel no mundo. "Não visto seus padrões" é uma ode ao desvio do sistema de controle de corpos e emoções. "O sorvete, meu pai e a Belina" tem gosto de memória e sorvete de milho-verde. "Doce infância" traz o pleno exercício da sexualidade bem vivida e o rápido, porque às vezes súbito, desejo em ser mãe de gente. "Besouro" é "A paixão segundo G.H." (Clarice Lispector, 1964) sem o playground infernal do armário claustrofóbico de Clarice (todo amor!) com a barata morta ou a morrer dentro. "Dos medos (e das pessoas) reais" é respiro: "O meu sucesso não é o fracasso dela". É empatia, autocrítica, mulheridade vivida e compartilhada. É respeito por cada história (de mulher), dor(es) e vitórias. Sim, nós mandamos bem. Sempre o fizemos. Ninguém nos para mais, e se parar, estaremos amparadas. Não temos medo. Tremam, se preferirem. Respeitem, se puderem.

Os aforismos e desaforos do título são a fresta reveladora de tanto amor, som, letras e poesia ressacados desta autora mais cheia de mundo, ou mundos, que de vida. Na (M)úsica ou na (L)iteratura, entre notas musicais e uma prosa/lavra poética peculiar, Julia Bosco existe e vive como quem se lança pelo mundo através do próprio mundo - o seu e o da palavra quando encosta o papel. Clarice Lispector (1920-1977) diria que as palavras são pedras duras e nada têm a ver com sensações - estas extremas, fugazes e delicadíssimas ao viver. A vida não chega antes. Cumprir esta promessa é o inferno. Julia é a mulher de todas as (suas) mulheres, como quereria Clarice. Sê-lo é viver. Se realidade é antes de tudo um pensamento que não se pensa, Julia é a si mesma, sem o nome. O it clariceano se cumpre: se se é sem nome, então, vive-se o depois do caminho, ou seja, é-se vida. Julia é e vive (a) vida. É tudo que ela tem aguentado em tempo de morangos - só para ser livre. A vida começa com este sim.


Foto: capa/reprodução

domingo, 27 de agosto de 2017

"Três quartos", o show, o EP, e a gente que vale a pena manter por perto

Quem não foi, perdeu. Literalmente. Noite de completa alegria, ante seguidas tristezas pessoais e políticas. Talvez fosse outra daquelas apresentações comuns que recheiam a programação noturna da urbis carioca, mas para sua redatora, teimosa reexistente neste negócio de (M)úsica e inconsequentemente derrotada entre vários esforços em manter a fé no poder da arte, e da vida em si, foi dia de luta/glória recompensada(s). Julia Bosco, Emerson Leal e Gustavo Macacko cantaram seus "Três quartos" durante show de lançamento do EP homônimo no palco do Teatro Rival, gigante de 80 anos de contribuição à cena musical de um Rio de Janeiro decadente, na última quinta-feira (24), como veteranos dessa coisa de amizade: sonhos, lembranças, experiências e a saudade dividida, todas/todos desfilados sob canto forte, docemente inspirado e cúmplice de tantos quartos quantos podem/puderam ser (d)o trio, o público presente que dividiu o vocal com Bosco, Leal e Macacko por todas as canções do setlist

A ode imortal de Chico Buarque ao ser e fazer artísticos em "Cidade dos artistas" (Chico Buarque, Luis Enríquez Bacalov e Sergio Bardotti, 1977/1981) jogou para fora a vontade de descobrir o acaso-convite aventado por "Três quartos" (Julia Bosco, Emerson Leal e Gustavo Macacko) às memórias de cada um(a) marcadas no peito, mas unidas por vários corações. "Volume" (Ana Clara Horta, Gabriel Pondé, João Bernardo e Miguel Jorge) só aumentou o barulho de um pensamento novo nas cabeças ali pulsantes via BPM. "Sugar baby" (Emerson Leal) recordou o custo da juventude perdida de uma blondie primeira-dama do hemisfério sul que, em outros tempos, no vizinho de continente, assumiria o poder ela mesma. Ironias da História e da conjuntura política de agora. Por isso, ou não, "Cada Fernando uma Pessoa" (Gustavo Macacko) asserta: pobre do Jorge e da espada, porque até dragão enfrentam - embora Chicos nasçam Bentos e se tornem de Hollanda, ou Winnie-Nelson Mandela são. "Cartas marcadas" (Dona Onete) não faz esquecer tamanha encenação. Quem não tropeça na malandragem é a malandra/o malandro; a gente má toda, por outro lado, tropeça. "Vai que dá certo" (Emerson Leal)?, porque como eu espero!

"66" (Gustavo Macacko) trouxe à baila as agruras/alegrias de um amor de época (?) para lá de contraditório: bolchevique nas convicções, mas cantado em inglês - e a beleza que é isso. "Na frente da tela" (Ariella e Emerson Leal) versa sobre a virtualidade das relações amorosas contemporâneas: tudo acontece em meio a uma tela de celular, e a solidão só parece desaparecer. Pensando bem, cala-te boca. Melhor parar com esse tal e coisa e lousa, papo de maluco de quem julga alguém. Simone Mazzer trouxe o zás louco de "Parece que bebe" (Itamar Assumpção, 1949-2003) e falou da lenga lenga de discussões infrutíferas logo para cima de nous, moi ou outra pessoa em francês. "Urubu tá com raiva do boi" (Geraldo Nunes e Venâncio, 1974). Confusões do tipo são é obra do homem. Encerrando a questão virtual, "Eu parei de te seguir" (Emerson Leal) lava a alma com a liberdade de limpar a/o ex-crush do feed, porque ninguém é obrigada/o a ver felicidade fake de serumaninho lixo na TL. É a consequência.

O que "Mulher independente" (Gustavo Macacko) faz diante da coisa toda é não tentar convencer. Afinal, não precisa disso. O trânsito é livre, sua transa intransigente, porque também merece prazer, e consegue se resolver plenamente com a amiga, caso dê na telha, interpretando mal o brocha, sim. Masturbação em corpo alheio é too old for us. Desanuviando, Mart'nália chega à cena e traz, na sequência, o amor bonito/poético de "Pé do meu samba" (Caetano Veloso), aquele take it easy no sofrimento de "Pra quê chorar" (Baden Powell e Vinícius de Moraes) e, claro, a malandragem da liberdade bamba amorosa de "Cabide" (Ana Carolina) que só fez sacudir ainda mais o público caloroso do Rival. "Papai do selfie" (Julia Bosco, Emerson Leal, Gustavo Macacko e Juliano Rabujah) e "O famoso quem e a orquestra invisível" (Julia Bosco, Emerson Leal e Gustavo Macacko) encerraram a noite com a falta de importância da pobre galera cujos selfies não são dignos de 1k em rede social e tampouco tem um show tão imperdível assim. Ou seria, deixa para lá... 

"Pra gozar" (Julia Bosco e Emerson Leal) fez do bis a cena de choro pelo fim não desejado. Nada disso, por sua vez, é real. "Três quartos" é reinício que alimenta o amor pela boa música, poesia e criatividade. Estes quartos unos reviram nossa gaveta e reúne a pluralidade no íntimo de cada subjetividade digna de ser celebrada. A alegria pela parceria do trio é marca visível no palco e no peito, e a resistência de toda palavra ali bradada, um abraço. Abraço amigo, de cor-ação. O fantasma do passado-presente já não mete tanto medo. Quem tem "Três quartos", ou Julia, Emerson e Macacko, tem tudo, tem toda a gente que vale a pena manter por perto. 


Foto: Flora Pimentel




terça-feira, 22 de agosto de 2017

"Primavera nos dentes" e o delírio sem ter febre de vingança do sangue latino

Saber que se existe como se é é força. A consciência desta coragem não vacila, mesmo eventualmente derrotada por circunstâncias políticas adversas. A subjetividade decepada inventa a própria mola que (r)existe. Entre seus dentes, manchados de sangue ao rasgar da carne dos inimigos de sua liberdade, uma primavera. É com a esperança perdida, ou novamente achada na linha do horizonte, que Charles Gavin convida Duda Brack, Felipe Ventura, Paulo Rafael e Pedro Coelho para "Primavera nos dentes", projeto idealizado pelo baterista e pesquisador musical que revive parte do repertório de grande sucesso dos álbuns "Secos e molhados I" (1973) e "Secos e molhados II" (1974), ambos do legendário trio homônimo formado por Gerson Conrad, João Ricardo e Ney Matogrosso nos anos 1970. O passeio pela história de onze dos principais hits imortalizados pelo grupo mostra bem mais que a evolução estilístico-musical ocorrida até esta primeira década do segundo milênio, vislumbrável, aliás, nos belíssimos novos arranjos para as canções originais; a voz de Duda Brack anuncia a longevidade das descrenças e principais temores de uma geração assolada pela retração democrática de um regime autoritário em meio às atuais dúvidas de outra geração cuja juventude agoniza ante novo lento genocídio.

Se a desconfiança de viver com a possibilidade das gentes ao redor como "O hierofante" (Oswald de Andrade, 1937, e João Ricardo) quisera prefaciar à autópsia do Poeta da peça de Andrade (1890-1954), "Delírio" (Gerson Conrad e Paulinho Mendonça) evoca o coro dos desafinados a esperar nada deste infame encontro. Da fonte do passado não emergirá a sede do futuro, e quem delira sem ter febre é parceiro das verdades. À desconfiança, claro. "Angústia" (João Apolinário e João Ricardo) lembra o tremendo esforço de ser no retorno à origem das coisas. Não se pode ficar colado à natureza como uma estampa, diz a canção, mas representá-la no desenho ou saltar assim sem proteção à vida, tal navalha no ar, é agonizar na tentativa. Por outro lado, "Primavera nos dentes" (João Apolinário e João Ricardo) insta a resistência. Quem já é perdido em ser e viver a si nunca desespera, e o centro da própria engrenagem é a primavera-força que se segura entre os dentes. Luta quem sabe existir, e a vida de uma existência miserável trazida em "O patrão nosso de cada dia" (João Ricardo) clama por amor. Clama por verdade, a de todo mundo, lá no fundo azul, conforme "O vira" (João Ricardo e Luhli) faz diretamente da noite da floresta-Brasil selvagem.

"O doce e o amargo" (João Ricardo e Paulinho Mendonça) faz sugar o possível do impossível; desta impossibilidade faz brotar fogo e alma da terra morta de sangue dos corpos cativos e vilipendiados das mulheres escravizadas, tristes do país. Seu "Sangue latino" (João Ricardo e Paulinho Mendonça) é vento do norte que tempesteia do sul, rompe tratados, trai ritos e é lança de gemido no espaço. Sua vida, todos mortos. É doce a vingança. "Rosa de Hiroshima" (Vinícius de Moraes, 1954, e Gerson Conrad) é o horror destas rotas alteradas, antirrosas sem rosa, sem perfume, sem nada. Estupro não tem beleza: meninas, mulheres sangrando na boca, no meio das pernas e tomando cacete de branco dominador está longe de ser miscigenatório. En el "Tercer mundo" (Julio Cortázar, 1972, e João Ricardo) global da América Latina, nadie danzó su giro. Do lado de cá do mundo, os chapoteadores da História serão sempre véspera de si mesmos, nunca amanhã ou realidade, porque mortos estarão. Suas elites jamais permitirão qualquer emergência. A "Fala" (João Ricardo e Luhli) não se escuta. Muito a dizer, pouca disposição em ouvir. Ou nenhuma. Vamos responder. Juraremos verdade e levantaremos as filhas e filhos esquecidos deste continente sangrado/desgraçado pelos velhos saqueadores do norte, todos criaturas bastardas, segundos, terceiros herdeiros de seu mundo, demasiado mundo de nada. Já o fazemos. Aprendemos a forjar a primavera nos dentes. Nosso gemido ainda será seu grito de dor. Vingaremos o sangue latino. Sem desespero. Eles farão a nossa vez. Sabemo-nos existentes. Não nos calarão. Não mais. Nunca mais.


Arte de capa: Stephan Gesell

sexta-feira, 21 de julho de 2017

Abertura do Festival A.NOTA 2017 traz encontro inédito de Jeneci e Vasconcellos em série que celebra a música independente, dia 25 de julho, terça-feira, no palco do Teatro Ipanema

A temporada 2017 do Festival A. NOTA traz a união inédita de Marcelo Jeneci e Lucas Vasconcellos para a estreia desta série de 22 encontros musicais que celebram o cenário da música independente nacional, dia 25 de julho, terça-feira, às 20h30, durante única apresentação no palco do Teatro Ipanema (Rua Prudente de Morais, 824 - Ipanema).

O festival aposta na colaboração criativa entre dois ou mais intérpretes como nova modalidade de experimentação artística.

As próximas atrações confirmadas seguem relacionadas abaixo:

01/08: Iara ira (Duda Brack, Júlia Vargas e Juliana Linhares).
08/08: Barbara Eugenia e Tata Aeroplano.
15/08: Sambas do absurdo.
22/08: Marcos Suzano e Marcelo Vig.
05/09: Mundo Cordeiro (Felipe Cordeiro e Manoel Cordeiro).

Ingressos: R$15 (meia entrada) e R$30 (inteira).


Foto: Eveline Maria

quarta-feira, 19 de julho de 2017

Laila Garin faz sua estreia fonográfica em show de lançamento do álbum "Laila Garin e a Roda", dia 16 de agosto, às 21h, durante única apresentação no NET Rio

A cantriz baiana Laila Garin faz sua estreia no mercado fonográfico em show de lançamento do álbum "Laila Garin a Roda", CD que faz o registro da breve turnê de Garin ao lado do trio formado por Ricco Viana (guitarra e violão), Marcelo Müller (baixo) e Rick De La Torre (bateria), dia 16 de agosto, quarta-feira, às 21h, durante única apresentação no palco do Theatro NET Rio (Rua Siqueira Campos, 143, 2º piso - Copacabana).

Ingressos à venda no http://bit.ly/2uJs7eM, ou diretamente na bilheteria do espaço. 


Foto: reprodução/Facebook

Bel Almeida revive canções autorais e outros releituras em tarde de apresentação deste domingo, dia 23 de julho, a partir das 13h, no Restaurante Flor do Céu

Bel Almeida revive canções autorais e releituras de grandes clássicos do cancioneiro nacional em tarde para lá de agradável no Restaurante Flor do Céu (Rua Aperana, 200 - Praça da UPP/Alto Leblon), neste domingo, dia 23 de julho, a partir das 13h.

Em cena, Bel é acompanhada pelo parceiro Egon Donovan (guitarra).

Reservas e informações: contato@flordoceu.com ou restorando.com.br.




Arlindinho comanda roda de samba desta sexta-feira (21) da Toca da Gambá, e convidados especiais participam da festa a partir das 20h30

Arlindinho comanda a noite de samba da tradicional casa da Toca da Gambá nesta sexta-feira, dia 21 de julho, a partir das 20h30, com convidados especiais.

Ingressos: R$15 (até às 22h) e R$20 (após às 22h).


Foto: reprodução/Facebook