Quem não foi, perdeu. Literalmente. Noite de completa
alegria, ante seguidas tristezas pessoais e políticas. Talvez fosse outra
daquelas apresentações comuns que recheiam a programação noturna da urbis carioca,
mas para sua redatora, teimosa reexistente neste negócio de (M)úsica e
inconsequentemente derrotada entre vários esforços em manter a fé no poder da
arte, e da vida em si, foi dia de luta/glória recompensada(s). Julia Bosco,
Emerson Leal e Gustavo Macacko cantaram seus "Três quartos" durante
show de lançamento do EP homônimo no palco do Teatro Rival, gigante de 80 anos
de contribuição à cena musical de um Rio de Janeiro decadente, na última
quinta-feira (24), como veteranos dessa coisa de amizade: sonhos, lembranças,
experiências e a saudade dividida, todas/todos desfilados sob canto forte,
docemente inspirado e cúmplice de tantos quartos quantos podem/puderam ser (d)o
trio, o público presente que dividiu o vocal com Bosco, Leal e Macacko por
todas as canções do setlist.
A
ode imortal de Chico Buarque ao ser e fazer artísticos em "Cidade dos
artistas" (Chico Buarque, Luis Enríquez Bacalov e Sergio Bardotti,
1977/1981) jogou para fora a vontade de descobrir o acaso-convite aventado por
"Três quartos" (Julia Bosco, Emerson Leal e Gustavo Macacko) às
memórias de cada um(a) marcadas no peito, mas unidas por vários corações.
"Volume" (Ana Clara Horta, Gabriel Pondé, João Bernardo e Miguel
Jorge) só aumentou o barulho de um pensamento novo nas cabeças ali pulsantes via
BPM. "Sugar baby" (Emerson Leal) recordou o custo da juventude
perdida de uma blondie primeira-dama do hemisfério sul que, em outros tempos,
no vizinho de continente, assumiria o poder ela mesma. Ironias da História e da
conjuntura política de agora. Por isso, ou não, "Cada Fernando uma
Pessoa" (Gustavo Macacko) asserta: pobre do Jorge e da espada, porque até
dragão enfrentam - embora Chicos nasçam Bentos e se tornem de Hollanda, ou
Winnie-Nelson Mandela são. "Cartas marcadas" (Dona Onete) não faz
esquecer tamanha encenação. Quem não tropeça na malandragem é a malandra/o
malandro; a gente má toda, por outro lado, tropeça. "Vai que dá
certo" (Emerson Leal)?, porque como eu espero!
"66"
(Gustavo Macacko) trouxe à baila as agruras/alegrias de um amor de época (?)
para lá de contraditório: bolchevique nas convicções, mas cantado em inglês - e
a beleza que é isso. "Na frente da tela" (Ariella e Emerson Leal)
versa sobre a virtualidade das relações amorosas contemporâneas: tudo acontece
em meio a uma tela de celular, e a solidão só parece desaparecer. Pensando bem,
cala-te boca. Melhor parar com esse tal e coisa e lousa, papo de maluco de quem
julga alguém. Simone Mazzer trouxe o zás louco de "Parece que bebe"
(Itamar Assumpção, 1949-2003) e falou da lenga lenga de discussões infrutíferas
logo para cima de nous, moi ou outra pessoa em francês. "Urubu tá com
raiva do boi" (Geraldo Nunes e Venâncio, 1974). Confusões do tipo são é
obra do homem. Encerrando a questão virtual, "Eu parei de te seguir"
(Emerson Leal) lava a alma com a liberdade de limpar a/o ex-crush do feed,
porque ninguém é obrigada/o a ver felicidade fake de serumaninho lixo na TL. É
a consequência.
O
que "Mulher independente" (Gustavo Macacko) faz diante da coisa toda
é não tentar convencer. Afinal, não precisa disso. O trânsito é livre, sua
transa intransigente, porque também merece prazer, e consegue se resolver
plenamente com a amiga, caso dê na telha, interpretando mal o brocha, sim.
Masturbação em corpo alheio é too old for us. Desanuviando, Mart'nália chega à
cena e traz, na sequência, o amor bonito/poético de "Pé do meu samba"
(Caetano Veloso), aquele take it easy no sofrimento de "Pra quê
chorar" (Baden Powell e Vinícius de Moraes) e, claro, a malandragem da
liberdade bamba amorosa de "Cabide" (Ana Carolina) que só fez sacudir
ainda mais o público caloroso do Rival. "Papai do selfie" (Julia
Bosco, Emerson Leal, Gustavo Macacko e Juliano Rabujah) e "O famoso quem e
a orquestra invisível" (Julia Bosco, Emerson Leal e Gustavo Macacko) encerraram
a noite com a falta de importância da pobre galera cujos selfies não são dignos
de 1k em rede social e tampouco tem um show tão imperdível assim. Ou seria,
deixa para lá...
"Pra
gozar" (Julia Bosco e Emerson Leal) fez do bis a cena de choro pelo fim
não desejado. Nada disso, por sua vez, é real. "Três quartos" é
reinício que alimenta o amor pela boa música, poesia e criatividade. Estes
quartos unos reviram nossa gaveta e reúne a pluralidade no íntimo de cada
subjetividade digna de ser celebrada. A alegria pela parceria do trio é marca
visível no palco e no peito, e a resistência de toda palavra ali bradada, um
abraço. Abraço amigo, de cor-ação. O fantasma do passado-presente já não mete
tanto medo. Quem tem "Três quartos", ou Julia, Emerson e Macacko, tem
tudo, tem toda a gente que vale a pena manter por perto.
Foto: Flora Pimentel
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