domingo, 27 de agosto de 2017

"Três quartos", o show, o EP, e a gente que vale a pena manter por perto

Quem não foi, perdeu. Literalmente. Noite de completa alegria, ante seguidas tristezas pessoais e políticas. Talvez fosse outra daquelas apresentações comuns que recheiam a programação noturna da urbis carioca, mas para sua redatora, teimosa reexistente neste negócio de (M)úsica e inconsequentemente derrotada entre vários esforços em manter a fé no poder da arte, e da vida em si, foi dia de luta/glória recompensada(s). Julia Bosco, Emerson Leal e Gustavo Macacko cantaram seus "Três quartos" durante show de lançamento do EP homônimo no palco do Teatro Rival, gigante de 80 anos de contribuição à cena musical de um Rio de Janeiro decadente, na última quinta-feira (24), como veteranos dessa coisa de amizade: sonhos, lembranças, experiências e a saudade dividida, todas/todos desfilados sob canto forte, docemente inspirado e cúmplice de tantos quartos quantos podem/puderam ser (d)o trio, o público presente que dividiu o vocal com Bosco, Leal e Macacko por todas as canções do setlist

A ode imortal de Chico Buarque ao ser e fazer artísticos em "Cidade dos artistas" (Chico Buarque, Luis Enríquez Bacalov e Sergio Bardotti, 1977/1981) jogou para fora a vontade de descobrir o acaso-convite aventado por "Três quartos" (Julia Bosco, Emerson Leal e Gustavo Macacko) às memórias de cada um(a) marcadas no peito, mas unidas por vários corações. "Volume" (Ana Clara Horta, Gabriel Pondé, João Bernardo e Miguel Jorge) só aumentou o barulho de um pensamento novo nas cabeças ali pulsantes via BPM. "Sugar baby" (Emerson Leal) recordou o custo da juventude perdida de uma blondie primeira-dama do hemisfério sul que, em outros tempos, no vizinho de continente, assumiria o poder ela mesma. Ironias da História e da conjuntura política de agora. Por isso, ou não, "Cada Fernando uma Pessoa" (Gustavo Macacko) asserta: pobre do Jorge e da espada, porque até dragão enfrentam - embora Chicos nasçam Bentos e se tornem de Hollanda, ou Winnie-Nelson Mandela são. "Cartas marcadas" (Dona Onete) não faz esquecer tamanha encenação. Quem não tropeça na malandragem é a malandra/o malandro; a gente má toda, por outro lado, tropeça. "Vai que dá certo" (Emerson Leal)?, porque como eu espero!

"66" (Gustavo Macacko) trouxe à baila as agruras/alegrias de um amor de época (?) para lá de contraditório: bolchevique nas convicções, mas cantado em inglês - e a beleza que é isso. "Na frente da tela" (Ariella e Emerson Leal) versa sobre a virtualidade das relações amorosas contemporâneas: tudo acontece em meio a uma tela de celular, e a solidão só parece desaparecer. Pensando bem, cala-te boca. Melhor parar com esse tal e coisa e lousa, papo de maluco de quem julga alguém. Simone Mazzer trouxe o zás louco de "Parece que bebe" (Itamar Assumpção, 1949-2003) e falou da lenga lenga de discussões infrutíferas logo para cima de nous, moi ou outra pessoa em francês. "Urubu tá com raiva do boi" (Geraldo Nunes e Venâncio, 1974). Confusões do tipo são é obra do homem. Encerrando a questão virtual, "Eu parei de te seguir" (Emerson Leal) lava a alma com a liberdade de limpar a/o ex-crush do feed, porque ninguém é obrigada/o a ver felicidade fake de serumaninho lixo na TL. É a consequência.

O que "Mulher independente" (Gustavo Macacko) faz diante da coisa toda é não tentar convencer. Afinal, não precisa disso. O trânsito é livre, sua transa intransigente, porque também merece prazer, e consegue se resolver plenamente com a amiga, caso dê na telha, interpretando mal o brocha, sim. Masturbação em corpo alheio é too old for us. Desanuviando, Mart'nália chega à cena e traz, na sequência, o amor bonito/poético de "Pé do meu samba" (Caetano Veloso), aquele take it easy no sofrimento de "Pra quê chorar" (Baden Powell e Vinícius de Moraes) e, claro, a malandragem da liberdade bamba amorosa de "Cabide" (Ana Carolina) que só fez sacudir ainda mais o público caloroso do Rival. "Papai do selfie" (Julia Bosco, Emerson Leal, Gustavo Macacko e Juliano Rabujah) e "O famoso quem e a orquestra invisível" (Julia Bosco, Emerson Leal e Gustavo Macacko) encerraram a noite com a falta de importância da pobre galera cujos selfies não são dignos de 1k em rede social e tampouco tem um show tão imperdível assim. Ou seria, deixa para lá... 

"Pra gozar" (Julia Bosco e Emerson Leal) fez do bis a cena de choro pelo fim não desejado. Nada disso, por sua vez, é real. "Três quartos" é reinício que alimenta o amor pela boa música, poesia e criatividade. Estes quartos unos reviram nossa gaveta e reúne a pluralidade no íntimo de cada subjetividade digna de ser celebrada. A alegria pela parceria do trio é marca visível no palco e no peito, e a resistência de toda palavra ali bradada, um abraço. Abraço amigo, de cor-ação. O fantasma do passado-presente já não mete tanto medo. Quem tem "Três quartos", ou Julia, Emerson e Macacko, tem tudo, tem toda a gente que vale a pena manter por perto. 


Foto: Flora Pimentel




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