A primeira parte é toda dedicada a pílulas de sabedoria sem retitude e com arrependimento de coisas e gente feitas, embebidas do porre de caipirinha de lichia e comidas do bolinho comprado para o pai, mas desfeito no meio do caminho. O bom humor e a solidão não repetida de todos os dias ditam a mistura divertidíssima das amnésias alcoólicas com a fina arte de puxar a roupa do varal sem tirar o pregador da cordinha feat. a paz do coração com um pote cheinho de caipirinha de tangerina com gengibre. A bateria do celular dura quantas horas mais os momentos de leitura desta tinta aforismática são a recarga necessária de um batom vermelho em rosto de mulher. E de alguns homens também, porque, sim, todo mundo é mito. Outra arte.
A segunda, por outro lado, tão profunda quanta a primeira, traz a vida e suas relações como contos e crônicas em chave de reflexão de si para outra vida. Enquanto "O imorrível" traz a inabalabilidade de um sentimento como o amor ante os (d)efeitos do tempo, processos irreversíveis de realidades, pragmatismos, conveniências e mágoas construídas pelo caminho a dois. "Memória" lembra a morte - de um amor, amizade ou outra categoria de relações humanas - pela vaidade e excesso de falsas aparências, quando não de irrealidade. "Blue glasses" pede o mergulho no que se é e vive, e o respeito a este (seu) papel no mundo. "Não visto seus padrões" é uma ode ao desvio do sistema de controle de corpos e emoções. "O sorvete, meu pai e a Belina" tem gosto de memória e sorvete de milho-verde. "Doce infância" traz o pleno exercício da sexualidade bem vivida e o rápido, porque às vezes súbito, desejo em ser mãe de gente. "Besouro" é "A paixão segundo G.H." (Clarice Lispector, 1964) sem o playground infernal do armário claustrofóbico de Clarice (todo amor!) com a barata morta ou a morrer dentro. "Dos medos (e das pessoas) reais" é respiro: "O meu sucesso não é o fracasso dela". É empatia, autocrítica, mulheridade vivida e compartilhada. É respeito por cada história (de mulher), dor(es) e vitórias. Sim, nós mandamos bem. Sempre o fizemos. Ninguém nos para mais, e se parar, estaremos amparadas. Não temos medo. Tremam, se preferirem. Respeitem, se puderem.
Os aforismos e desaforos do título são a fresta reveladora de tanto amor, som, letras e poesia ressacados desta autora mais cheia de mundo, ou mundos, que de vida. Na (M)úsica ou na (L)iteratura, entre notas musicais e uma prosa/lavra poética peculiar, Julia Bosco existe e vive como quem se lança pelo mundo através do próprio mundo - o seu e o da palavra quando encosta o papel. Clarice Lispector (1920-1977) diria que as palavras são pedras duras e nada têm a ver com sensações - estas extremas, fugazes e delicadíssimas ao viver. A vida não chega antes. Cumprir esta promessa é o inferno. Julia é a mulher de todas as (suas) mulheres, como quereria Clarice. Sê-lo é viver. Se realidade é antes de tudo um pensamento que não se pensa, Julia é a si mesma, sem o nome. O it clariceano se cumpre: se se é sem nome, então, vive-se o depois do caminho, ou seja, é-se vida. Julia é e vive (a) vida. É tudo que ela tem aguentado em tempo de morangos - só para ser livre. A vida começa com este sim.
Foto: capa/reprodução
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