segunda-feira, 27 de junho de 2016

A musicalidade que avoa de Guinga e um sábado à tarde de bate-papo na sala de estar do Centro da Música Carioca

Cena: aquele amigo de longa data, mas que não aparecia há algum tempo, chega para aquela reuniãozinha aparentemente despretensiosa de sábado à tarde. Vocês jogam conversa fora, falam sobre os últimos anos da vida, seus impasses, incertezas, algumas conquistas... Ele, como não poderia deixar de ser, traz o violão a tiracolo. Você nem precisa pedir: enquanto fala, o mané vai dedilhando uns acordes, toca uma canção inteira até que o papo acaba. Ele diz que bom mesmo é parar de falar e tocar um pouco. E ele toca. A hora passa, ninguém percebe. Afinal, o que interessa é o som. Mais que o som, o encontro. Imaginou? Com este clima, Guinga encerrou a segunda edição dos Encontros com o compositor carioca em tarde/noite de bate-papo longo sobre sua trajetória de instrumentista e compositor em parceria com nomes como Aldir Blanc - "Ele fica puto comigo porque eu digo, mas eu amo ele e sou muito grato por tudo que ele fez por mim" - e Chico Buarque, a carreira paralela de dentista, as dificuldades enfrentadas no campo da música, futebol, a vida e o calote de anos atrás do Vicente, produtor cultural de Tiradentes (MG).

O show, iniciado quase que sem a pausa do bate-papo, foi pontuado por ótimos e grandes momentos. Os temas instrumentais, todos de grande beleza e riqueza melódica sem igual, tinham como tônica central homenagens às suas maiores influências e canções compostas ao logo dos 50 anos de carreira. O "acerto de contas" com o pai, "Rádio Nacional" (Guinga) e "Despedida do Garoto" (Guinga) arrancaram suspiros de profunda emoção. "Você, você (canção edipiana)" (Guinga e Chico Buarque hipnotizou todas/os por letra (bela) tão simplesmente exposta na crueza dos acordes do violão, assim como "Bolero de Satã" (Guinga e Paulo César Pinheiro), sucesso, por exemplo, na voz de Elis Regina (1945-1982). As participações especiais, como a de seu filho Ian, revelaram talentos promissores. Aliás, para quem completa meio século de história na música, a generosidade e humildade de Guinga são alento em meio à superficialidade e liquidez que então vigoram. O encerramento acompanhado de um coro quase uníssono da plateia sob o entoar de "Carinhoso" (Pixinguinha), não condiz com quem, segundo o próprio, não faz sucesso. Tudo é coisa musical ("Chá de panela", Guinga e Aldir Blanc), mestre. Sua irmã mais velha pode se opor a esse seu abrir demais o coração, mas o mané fogueteiro (Braguinha) que mata um leão ao subir ao palco, canta a Rosa e o amor do Zé Boticário faz só brotar lágrimas quentes nos olhos azuis de seus/suas ouvintes. Música é coisa que "avoa". Você tem é opinião, e será sempre respeitado por isso.


Foto: Cyntia C. Santos 


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