terça-feira, 28 de junho de 2016

O grande mundo da canção instrumental de Zé Paulo Becker e a voz de gente que se escuta, mas não diz

Drummond disse que, vasto, o mundo não cabia no coração dos homens. O mundo é muito maior e, no peito, não cabem sequer as dores. Por isso, por tudo, é que o poeta se despia, gritava, expunha-se cruamente. "preciso de todos". Há quem diga que a exposição maior d'alma é a da performance da/o artista na fala cantada. Bom, se até Caetano dessacraliza a banalidade das noventa e nove e um pouco mais por cento de canções (de amor), o um por cento restante, digamos, corresponderia ao incomum. Este incomum, ou seja, expor-se sem falas ou versos e apenas na toada da composição crua, com seus caminhos melódicos, e harmonias e notas, sem dúvida, faria crescer o mundo do mineiro de Itabira em beleza e encantamento nesse diálogo silente. Esta foi a proposta de Zé Paulo Becker no dia dedicado à música instrumental nos Encontros com o compositor carioca da última sexta (24).

Em repertório que misturava clássicos do cancioneiro popular e canções autorais, Becker encantou todas/os com sua destreza comovente exposição entre as cordas e o pinho de seu violão. "Amor proibido" (Cartola) e "Chovendo na roseira" (Tom Jobim) ganharam novos arranjos e cores inabituais, mas não menos belas. O fole sem parar de "Feira de Mangaio" (Glorinha Gadelha e Sivuca) encontrou no violão de guerra de Zé Paulo outro floreio, com Zefa de Purcina fazendo renda. Homenagens a suas influências e entes queridos ficaram por conta de "Galope São Domingos" (Zé Paulo Becker), tributo a Dominguinhos (1941-2013), "Clara" (Zé Paulo Becker) e "Andaluso" (Zé Paulo Becker). O público interveio com força em "Pra tudo ficar bem" (Zé Paulo Becker) e no medley de afrossambas de Baden Powell e Vinícius de Moraes, que contou com "Canto de Ossanha" e "Berimbau". O teatro cheio do Centro de Referência da Música Carioca provou que a música instrumental também emociona e cativa, mesmo não escutando a voz drummondiana de gente. Falada ou não, a canção é sempre de amor e protesto. Arte é protesto. Não se é pobre quando se vive de amor e música, pelo contrário. Aliás, pobre é aquele/a que não se deixa emocionar pela expressão humana em sua raridade, grandeza e complexidade.


Foto: Cynthia C. Santos 

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