Pecadoras(es), nós, desafiadoras(es) da ordem, nunca teremos paz no coração. Fadadas(os) estaremos ao desgosto de não ter o gosto. O beijo há anos-luz de um sempre ansiado romance destas(es) que lutam tiveram seu agridoce sabor lembrado por "Maçã última" (Gisele de Santi), pelo pulsar incessante em BPM da boca pra dentro de "Volume" (Ana Clara Horta, Gabriel Pondé, Miguel Bernardo e Jorge Bernardo), a fé no recomeço de "Quase nada de novo" (Fernando Temporão e César Lacerda) e as frações de um coração assolado pelas lembranças de quem já não sabe mais se quer amar, mas insiste em (re)viver no amor de "Cada dia, um dia" (Julia Bosco e Donatinho).
Antes não derramássemos lágrimas de dor por um alguém. Volatilizar as relações amorosas ou quaisquer aproximações do tipo, entretanto, protege ninguém da dor de uma (des)ilusão. Aliás, só faz sofrer ainda mais. "Quem me passa o coração" (Julia Bosco, Juliana Sinimbú e Marcela Bellas) põe fim àquele bloco romântico e, com ironia, mostra o perigo da liquidez deste antitudo da falsa felicidade e do individualismo capitalista reificado. Como vingança, "Cartas marcadas" (Dona Onete) vem relembrar a força de quem é malandra, porque regida pelas mulheres ancestrais e encantadas, e pôs fim à opressão por não se permitir mais suportar que se comemore destruir o (meu) coração sem culpa. "Masculino e feminino" (Pepeu Gomes) confirma a necessidade desta fusão, e a alegria em se viver esta fantasia ainda longe de ser plenamente conquistada. Sim, este é um jogo perdido e sempre se joga de novo, como "Oops I did it again" (Max Martin e Rami Yacoub) - sucesso na voz da cantora estadunidense Britney Spears - vem tornar típico, mas isso não parece importar quando o desejo é viver o amor, a paixão, se assim se quiser entender, ou apenas a sexualidade historicamente negada, como "Tanguloso" (Julia Bosco e Donatinho) vem dizer.
Eu preciso saciar a fome te comendo, gata garota/gato garoto. Como ambos, se me der na veneta. Faço cena de choro, mas vou provar que sou a mulher que te quer. Finjo ser tudo, mas no fundo, nada disso é real. Eu sou eu, sou minha mulher. Julia te enganou "Pra gozar" (Julia Bosco e Emerson Leal) no final e ver que cara você faria em vê-la mulher, dona de seu corpo que dança, ou melhor, requebra no funk, e assenhora-se da valentia sob a bênção de Maculelê ("Boa noite... (Maculelê)", Associação da Capoeira Lagoa Azul). Chora não, resmunga não, porque no tempo e contratempo do coração, sou prenhe de razão. Eu gosto de mim e sua filha também, como diria "Jorge Maravilha" (Leonel Paiva e Julinho da Adelaide/Chico Buarque) e Julia Bosco ao encerrar a noite de seu baile no Rival. Ser mulher é saber-se só, mas perten(s)er a mulheridade é (escre)viver na pele o orgulho em viver os sonhos, silêncios (anônimos) e gritos de dentro na liberdade da vastidão daqui de fora. A Julia de "Dance com seu inimigo" transa isso. Palavra é poder, e vivê-la com a garganta é perenizar este duro sentir, ruído de pensamento e, agora, tatuagem.
Foto: Leonardo Cidreira

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