"Se um dia" (Caio Prado e Tais Feijão) é vida entre a morte da profusão do trânsito, a impaciência da empáfia do cotidiano e a incoerência que mora em cada passar de hora. Morrer é viver. Permitir-se morrer é prova de amor à vida em amor e com amor, sem dor ou sangue. Haverá música e, da morte, viverei de novo. Só vive quem já morreu várias vezes e tem coragem para fazê-lo a cada apagar de chama, último acorde da canção.
Ante tal ausência, da morte em vida que é vida de novo, montei "Meu perdão" (Caio Prado). Tudo é claro, ou escuro, em segundos, e vira vontade do (meu) coração, porta aberta, neguinho. Pra você entender como é louco tanto amor que, de tão belo, é vício, vamos ao zero viver em nossos braços de novo. E de novo. E de novo, até estarmos ausentes para o mundo e tudo. De novo.
Não fale, meu bem. Chore comigo, conosco, nossa vida, este nosso amor que é morada. E céu, e luz, e sombra. "Por causa de você" (Dolores Duran e Tom Jobim) é o não haver tristeza na partida que não precisa ser partida. Pode ser chegança se você não nos deixar. As flores sorriem na janela e tudo tocam. Não vê? Somos esta vida, nossa vida, o sonho e a cor, somos o amor, e vai você partir? Quanta tristeza! Então, "Lamento" (Caio Prado), não temo o adeus, tampouco sua palavra ou nome. Vou chorar, sim, mas não por muito tempo. Vivê-lo é rebentar-se, e para isso há prazo de validade. Cobro nada, nem sentimento. Não posso. Livrai-me apenas da degola de ser tua, porque este tanto é cair no sofrimento, abstinência camuflada de saudade. Nem todos os versos, e trovas, outras canções e poemas são teus. Devolva-me, sinto falta de ser minha, já que não sou tua. Não sou, não fui. Quis ser, mas não posso, não o farei mais. Moro na casa da saudade de ser de novo, e nesta saudade, porque amor não morre. Amor vive mais que os amantes, e ainda viverá depois. Morrerá comigo para viver de novo. E ele sempre revive, mesmo em sofrimento. Se não é (mais) pele, porque amor é poro, então, não vale a pena.
Amor é high e deixa high. "High and dry" (Thom Yorke, Phil Seway, Ed O'Brien, Jonny Greenwood e Colin Greenwood). Mais dry que high. Ou ambos. Ou nenhum. Você se mata para se reconhecer ou alguém fazê-lo, nunca para. Não pode, não é? Quebra espelhos, quebra-se, torna-se o que não é para ser sei lá quem em pedaços. Eles o odiarão por ter o mundo, se é que você o tem. Será o único a gritar. O grito é a melhor coisa que um dia terá entre dois ou mais pulos. O grito é a melhor coisa que alguém pode ter, e mesmo isso você perdeu. Eu vi a queda. Assisti, e nada fiz. Não posso, você não permitiu e me afastou. Eu o vejo por dentro e em pedaços. Foi só "O que restou" (Diego Moraes): você em pedaços. Sei lá se o quero novamente pra mim. O silêncio basta e bastará para vingar em mim o que restou, de tudo que se perdeu e ainda perde com o amanhã. O sangue da nova manhã retornará para mim, já retornou, sem por quê. É sol onde repousa o mar e termina de aquecer a noite serena. Tudo sem você.
Não é complicado. O "Roteirista" (Caio Prado) tratou de caprichar o céu pra mim, nós, com um bom final e aquele beijo no refrão. Com a solidão enfim editada, bailemos na escuridão, porque somos brilho, e de mãos dadas. Conta essa aflição que te alucina. Alucina não. Vem cá, encosta nessa cadência do coração. Tem suspense não. Você daí vai ver, roteirista. Colabora. Coloca um beijo e um flerte aqui nessa nossa canção.
Talvez seja tarde. Por mais uma vez, o tempo complica. A poesia fica e já é meia noite. "Anomia" (Caio Prado). Sem nome. Não há nome. Ausência. Traidor traído na própria traição de ser. Não sei se é cinza o céu. Deve ser, aqui dentro só chove. De um jeito tolo, entre mil perguntas e outras tantas mil respostas, rezo ao vento para ventar as mágoas. Torço. Chove. Estendo a alma velha, calejada e em sangue no varal, limpa e seca para nunca mais vestir você, roupa bonita que já não serve mais. É na dor que eu a lavo e me mostro em veio aberto, pele. Felicidade é estimulante, e a dor um dia semeia.
Eu sei como pisar no coração de uma mulher. "Mulher eu sei" (Chico César). Mulher eu sou. Orgulhosa. Eu piso, porque me pisaram, sou pisada. Pés de anjo noturno em belo balé pisaram de coturno, sapatilha de arame em peito de aço, porque mulher é aço. Mulher é amoroso cangaço, passo que revela e faz revelar. Afinal, é mundo, é vida, é ventre, pé descalço de pele sem pele, porque arrancada. Eu piso no coração de mulher, eu sei pisar. Eu rasgo, mas também faço rasgar. Piso para me defender. Fico indefesa, mas ataco com alpercata de aço. Morro. Rasgo de novo. Firo. A participação de Johnny Hooker nesta e nas duas canções seguintes faz rasgar ainda mais esta ferida aberta pelo (meu) bem de signo incompreendido.
"Maldade do meu bem" (Caio Prado) xinga de quatro. É berro em despacho pra amor feito distante pelo instante agora perdido. Não tem fim. Tem meio, mas nunca fim. Faz jus, mal pelo mal. Meu bem pode até me amar, e ama torto, mas só faz mal. Mal não é amor. Sofre de maldade e pratica o mal para ter algo que não é amor, só desprezo. Geme mal, bem mal de dor. Só tem vícios. Veste tristeza e solidão. Ele bem me ama? Já profanou meu lar, meu lugar no mundo. Não desejo afago ou perdão. Na cadência desse samba-canção, rezo pra Iansã e Ogum e Oxalá, minhas Mães e meu Pai. "Vou fazer uma macumba pra te amarrar, maldito" (Johnny Hooker)! Vou fazer para você se amarrar em algo que definitivamente não sou eu. Mesmo.
A tubaroa aqui não tolera surfista em onda que não é mais sua. Minha pele desbotou de tão alva que é. Ou não. A quenga zapatista evocada nesse "Nhem nhem nhem" (Totonho e os Cabra), no alto de Suassuna e sob sua bênção, toca sanfona na pele de loba-cordeiro e bebe chá de bússola forjada em (seu) coração mestiço. Areia fina em ciranda de roda, meu sonho não é só meu. Nenhum sonho se limita a artistas. Sonho bom é o sonhado junto. Ninguém tolera surfista em sonho coletivo.
Somos o que não fomos criados para ser. Somos tudo, inclusive o que não se é. Sempre queremos o que não temos por "Mera" (Caio Prado) convenção do tempo, equação de amor na solução de Bashkara do falso acaso existente. Tempo é capitalista e sem opinião. Varia conforme o instante e o grupo de poder no poder. Nossa sede é por entendimento, opinião de amor para outro vasto e vário amor, o do mundo. Mundo da manhã que acorda e nunca é o que era quando dormiu - se é que dorme. A verdadeira sabedoria é desaprender ante a morte, nascer de cada dia. Todo dia. Quebrei a vidraça, a janela, cravei essa faca de vida à costela do corpo ateu enganado na cinza de sua fé. "Variável eloquente" (Caio Prado) de natureza irmã e amor inocente que me fez um dia surtar. Ensaiei, na verdade. Ensaiei e surtei.
Surtei vegetando neste fogo com que me queimaram de novo. Golpe! "Golpistas" (Caio Prado)! Ratos! Usurpadores de sonhos e poder do povo! Planejaram o golpe e nos roubaram as armas. Fascistas, falsos moralistas. Falsos demagogos que sustentam privilégios históricos e me transformam em opressora, eu, a sempre sem capital simbólico para oprimir macho. Covardes que sangram e matam preto pobre em favela, reprimem manifestante com bala de borracha e gás de pimenta e iludem gente ignorante em rede nacional. Placas de censura e tarjas de desconforto no meu corpo gordo me dizem "Não recomendado" (Caio Prado) à sua sociedade de merda e gente infeliz. Não recomendado é você que mata, oprime e fere sob qualquer justificativa a afagar seu ego grande, assim como meu corpo. E ele vai passar. E ocupar. Caio Prado é resistência, é corpo, pele. É subversão, afronta e desejo. Desejo e sonho. Variável eloquente da equação do amor, porque luta é reexistir em amor, (r)existir no grito sujeito que objeta sua politicidade, porque garganta é palavra encarnada em corpo negro. Negro de luta. Negro é luta. Somos luta. Seremos mais se formos juntos. Quebremos as casas de vidro dos mal amados. Tamanha liberdade em fazê-lo é poder. Libertar-se é revolução. Toquemos fogo. Fogo arde e purifica. Fogo é político. Arder também.
Foto: Humberto Furtado
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